A BNB Chain acaba de bater um recorde histórico com mais de 311 mil milhões de dólares negociados num mês nas suas DEX. Mas por trás desse número vertiginoso esconde-se uma mecânica muito mais obscura: volumes artificialmente inflacionados, traders sem exposição real e uma caça aos airdrops orquestrada até ao mais ínfimo detalhe.
No universo ultracompetitivo da indústria de criptomoedas, a atenção é fundamental.
Sem ela, mesmo o projeto mais sólido corre o risco de passar despercebido. E, neste contexto, números impressionantes são uma alavanca formidável para chamar a atenção. Se há um participante que parece ter integrado perfeitamente essa lógica, é a Binance — ou, mais precisamente, a sua blockchain: a BNB Chain.
De facto, a BNB Chain acaba de bater um recorde – entre todas as blockchains – ao registar 311,6 mil milhões de dólares em volumes nas suas exchanges descentralizadas (DEX) num mês:
Mesmo a blockchain Solana, que esteve no centro do entusiasmo em torno das memecoins em janeiro passado, atingiu «apenas» cerca de 260 mil milhões de dólares em volumes nas suas DEX.
A DEX emblemática da BNB Chain, PancakeSwap, destaca-se particularmente com mais de 238 mil milhões de dólares em volumes no mesmo período observado (de 25 de maio a 25 de junho): mais uma vez, um recorde absoluto. A título de comparação, a Raydium, principal DEX na Solana, atingiu um pico de 201,8 mil milhões de dólares em volumes em janeiro passado:
Apesar destes números impressionantes, parece que estes volumes não são orgânicos. Pelo contrário, parecem «artificiais», impulsionados por um mecanismo de incentivo financeiro que não é sustentável a longo prazo.
De onde vêm esses volumes desconcertantes?
Como mencionámos no início do artigo, a atenção é fundamental na indústria de criptomoedas. Embora Changpeng Zhao (fundador histórico da Binance) tenha tentado, há alguns meses, chamar a atenção para a BNB Chain, incentivando de forma tímida o lançamento de memecoins, a iniciativa teve efeitos bastante limitados. No entanto, outra iniciativa da Binance deu frutos: trata-se da Binance Alpha 2.0. Se a primeira versão exigia o uso da carteira (não custodial) Binance, esta última versão está diretamente integrada à interface da famosa bolsa. Uma funcionalidade importante em termos de experiência do utilizador para perfis iniciantes.
A Binance Alpha permite negociar criptomoedas com capitalização insuficiente para serem listadas diretamente na Binance. Lançado no dia 18 de março, o programa Binance Alpha inclui um mecanismo de airdrop, bem como taxas patrocinadas pela bolsa (até setembro).
O princípio deste sistema é bastante simples: ganhar pontos Alpha permite ser elegível para airdrops. Para ganhar pontos Alpha, é necessário negociar (ou seja, gerar volume) ou simplesmente deter determinados ativos. Mas, como em muitos sistemas, existe uma falha. E essa falha foi perfeitamente identificada por alguns utilizadores para que pudessem explorá-la.
A explosão dos volumes na BNB Chain esconde uma realidade mais complexa do que os números brutos sugerem. Uma análise aprofundada dos dados on-chain revela padrões de negociação incomuns que ilustram perfeitamente como alguns caçadores de airdrops «hackeiam» os sistemas de incentivos.
O caso da criptomoeda Bedrock (BR) é particularmente eloquente. Este token tornou-se o mais negociado na PancakeSwap, com mais de 3 mil milhões de dólares em volume em 24 horas. Mas por trás destes números impressionantes esconde-se uma mecânica bem oleada: a análise revela uma atividade de negociação simultânea nos dois lados do mercado (compra e venda), gerando um volume enorme, mantendo uma exposição líquida próxima de 0.
Esta situação não é fruto do acaso, mas sim o resultado de uma estratégia deliberada: executar transações que geram um volume máximo, evitando uma exposição real ao mercado.
Mais revelador ainda, mais de 95% das carteiras envolvidas na negociação deste token apresentam uma posição líquida próxima de 0. O objetivo era claramente evitar qualquer exposição, gerando pontos Alpha:
A sofisticação desta abordagem não se fica por aqui. A análise revela que quase todas as carteiras geraram precisamente entre 14 e 20 pontos Alpha, nunca 13 ou 21. Esta uniformidade não é fortuita; sugere que os caçadores de airdrops estudaram a documentação da Binance Alpha e identificaram um limiar ideal a atingir.
Além disso, o custo dessa estratégia é notavelmente baixo: cerca de 5 a 10 centavos por ponto Alpha gerado. Os traders, ao executar negociações nas duas direções, muitas vezes no mesmo bloco ou com alguns blocos de intervalo, minimizam as suas perdas e maximizam os seus pontos.
Implicações a curto e longo prazo
Esta engenharia de incentivos da Binance Alpha ilustra um princípio fundamental: alguns utilizadores procurarão sempre «resolver» o sistema para obter o máximo de recompensas com o mínimo de esforço.
A curto prazo, essa estratégia gera a atividade espetacular que a BNB Chain busca, mas levanta questões importantes sobre a qualidade e a sustentabilidade dessa liquidez artificial.
O risco a longo prazo é duplo: por um lado, essa atividade pode distorcer as métricas on-chain do ecossistema, dando uma impressão de dinamismo que não reflete a realidade.
Por outro lado, uma vez reduzidos os incentivos financeiros ou esgotadas as oportunidades de airdrop, esse volume artificial corre o risco de desmoronar, revelando os volumes reais da BNB Chain.
Por enquanto, os volumes presentes na BNB Chain não parecem estar a impulsionar a sua criptomoeda nativa para novos patamares: o preço do BNB registou uma queda de 5% nos últimos 30 dias. O preço do CAKE, criptomoeda da plataforma PancakeSwap, não se saiu melhor, com uma queda de 21% no mesmo período.
